Prólogo explicativo bem curto: alguns dias antes desta história acontecer, meu marido e eu, juntamente com o meu sogro, havíamos ido a uma loja chamada Karstadt para comprar nossas máquinas de lavar e secar roupas. A de secar chegou logo e sem problemas, já a de lavar...
A mulher linda e o entregador bobo
PÉÉÉÉÉÉÉÉÉN!
Eu pulo na cadeira. Toda vez é a mesma coisa. Devia ter uma lei que proibisse as pessoas de colocarem um interfone tão alto num apartamento tão pequeno!
Atendo o interfone. Ele começa a cuspir palavras em alemão:
-Bla bla bla bla bla Karstadt bla!
Opa, pesquei uma palavra-chave: Karstadt. Respondo:
-Ja!
Geralmente, quando toca o interfone, eu atendo, falo "ja" (fala-se "iá", e isso significa "sim"), ouço o que falam, pesco uma palavra-chave (tipo DHL, Amazon, etc) depois digo "ja" ou "ok" e aperto o botão para abrir a porta do prédio lá embaixo. Ok, confesso que às vezes eu não entendo nada do que falam e mesmo assim abro a porta. Foi assim que uma vendedora de comida congelada veio parar na minha porta. E, se um serial killer apertar o nosso nome lá na entrada e eu atender, ele pode até dizer "Olá, sou o Hans, vim esquartejar você!" que eu vou responder alegremente "Ja!", abrir a porta do prédio, abrir a porta do apartamento e esperá-lo com um caloroso sorriso de boas-vindas em cima do meu capacho do Mickey Mouse!
Bem, continuando a história do entregador: lembram que quando eu falo o segundo "ja" eu aperto o botão pra abrir a porta, né? Então, dessa vez, depois do segundo "ja", o bendito entregador começa a tagarelar:
-Bla bla bla bla bla bla bla blaaaaá!
Hummm... o que ele está dizendo? Será que está perguntando se eu comprei uma máquina de lavar roupas? Respondo com alegria e convicção:
-Ja!
O palavrório volta. Eu não entendo o que ele diz, mas tenho boa memória e sei que foi a mesma frase de antes, mas num volume mais alto e com mais impaciência:
-Bla bla bla bla bla bla bla blaaaaá!
-Jaaaaa!!!!! - berro de volta.
Nessa hora eu fico irritada e começo a duvidar da inteligência do entregador. (Mal sabia eu que ele também estava pensando o mesmo de mim.) Resolvo abrir logo a porta do prédio lá embaixo e parar com essa conversa pelo interfone, que já estava ficando sem-graça. Abro a porta do apartamento e fico em cima do Mickey. Nisso, eu ouço o entregador falando com seu colega lá embaixo:
-Bla bla bla bla bla bla bla blaaaaá! "Ja." Bla bla bla bla bla bla bla blaaaaá! "Ja!"
Arregalo os olhos de indignação! O cara está fazendo hora com a minha cara, me imitando! Ora bolas, eu tenho culpa se ele resolveu tagarelar? Quem PEDE pro dono da casa abrir a porta? É meio que óbvio, né? Se tivesse ficado caladinho eu tinha aberto a porta logo de uma vez!
O entregador sobe, carregando a máquina nas costas. Constato com satisfação que ele é feiosinho, uma espécie de versão alemã do Ragetti, aquele pirata magrelo e com um olho de madeira que vive caindo da cara, do filme Piratas do Caribe. Pensando melhor, ele é a cópia exata do bucaneiro.
O nefasto magricela põe a máquina no chão e começa a tagarelar de novo, apontando para dois pontos na parte de trás da máquina:
-Bla bla bla bla, bla bla, hier und hier. Ok?
Hum. Hier und hier significa aqui e aqui. Olho para onde ele aponta. Tá.
-Ok - respondo. Ragetti não parece muito confiante em minhas capacidades mentais. Ele repete:
-Bla bla bla bla, bla bla, hier und hier. Ok? Nicht vergessen!! Oder kaputt!*
*(tradução: Não esqueça!! Senão, vai estragar!)
Respondo "ok" mais uma vez, doida praquele homem com cheiro de cigarro sair da minha cozinha. Ele pega uns papeis para eu assinar, eu assino e ele fica me olhando com cara de bobo. Ragetti então, finalmente, vai em direção à porta, eu ponho minha melhor cara de "não gostei de você, você é bobo e me zoou" e, já que não posso falar nenhum desaforozinho pra ele, eu executo a minha vingança suprema: bato a porta... bem, nas costas dele, porque ele já está descendo a escada, assobiando e, provavelmente, tirando mais um cigarro do bolso.
