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domingo, 29 de novembro de 2009

Feliz aniversário, Jack

Texto #8 (e último) da Semana C.S. Lewis




Querido Jack,

Gostaria de poder falar aqui que o mundo parou para ler e ouvir o que você tinha a dizer. Tudo bem, algumas poucas e bem-aventuradas pessoas o fizeram, porém a grande maioria da humanidade seguiu em frente fazendo o que sabe de melhor: roubando, matando uns aos outros, e basicamente mentindo a respeito de tudo.

O dia da sua partida foi extremamente triste, porque o mundo perdeu um grande homem, um pensador brilhante, um cavalheiro como não se encontrava mais, e um cristão dedicado e exemplar. Sim, você podia colocar em si mesmo todos os defeitos, mas ainda assim foi um exemplo para todos nós. Porém nesse mesmo dia, partiram um outro autor famoso e um presidente americano, cuja morte foi muito chocante e atraiu muita - senão toda ela - atenção. Talvez tenha sido até do jeito que você gostaria que fosse: sem chamar a atenção, sem falsos elogios post-mortem, com apenas aqueles que lhe eram mais queridos ao seu lado.

Hoje, quase 50 anos depois de sua partida, e exatamente 111 anos passados do seu nascimento, eu posso dizer que sou uma cristã melhor graças à obra que você deixou escrita. Deus sabe que não O substituí idolatrando você. Eu mesma seria estúpida se fizesse isso, pois seria a primeira coisa que você condenaria e acharia no mínimo ridículo - e eu não quero você rindo de mim. Bem, quer que eu resuma de um jeito que você vai entender muito bem? Você é o meu George McDonald. Pronto. Se um dia eu tiver um sonho como aquele seu, você será o gigante a visitar o meu fantasma, estamos combinados?

Bem, eu só quero então agradecer por tudo que você fez por aqui. Inclusive seus erros (se é que me atrevo a isso), pois com eles você aprendeu, e eu também, sempre que você escreveu sobre eles. Alguns dos seus defeitos são os mesmos que os meus: excesso de crítica em relação à igreja, enfado com pregações medíocres, falta de paciência com quem não gosta de contos de fada, a preferência por me manter num círculo fechado de conhecidos sem ser amolada por ninguém de fora. Por sorte, uma das minhas qualidades me levou a você: o prazer pela leitura.

Foi o que me fez me apaixonar por Nárnia, Aslam, Lúcia, Edmundo, Shasta, Brejeiro, Diggory, Ransom, Mark e Jane, Orual, Psiquê... Você criou mundos maravilhosos e nos presenteou com eles. Até hoje seus livros são lidos, comentados e admirados. Espero que a cada dia seu número de leitores cresça - eu com certeza faço minha parte para que isso aconteça. Seu talento para explicar com clareza princípios simples e essenciais para a vida cristã era um dom que foi muito bem-aproveitado. Hoje tenho certeza de que há cristãos que suportam melhor a dor, entendem melhor o amor e defendem melhor a sua fé graças aos seus escritos. Não se preocupe, você fez, e muitíssimo bem, a sua parte pelo Reino. Sua luta no "território ocupado" foi bem-sucedida e nunca em vão.

Não espero que esta carta seja lida por você, mas isto é um ensaio para o que tentarei dizer no dia em que nos encontrarmos no alto daquelas montanhas. O Sol talvez já terá nascido e estaremos vivendo a plenitude da Manhã que esperamos há muito tempo (você mais do que eu), e não sei realmente se terei que dizer alguma coisa ou se só de olhar para mim você irá reconhecer uma "pupila". Mas eu certamente irei olhar embevecida (teremos olhos e lágrimas?) e dizer com emoção (teremos bocas e cordas vocais?): Muito obrigada.

*****

Este texto tem várias referências a livros do Lewis. Se você não entendeu, eu sugiro que leia: Cristianismo Puro e Simples, A Trilogia de Ransom, As Crônicas de Nárnia e O Grande Abismo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Viver como um narniano, ainda que Nárnia não exista

Texto #6 da Semana C.S. Lewis

Este post é dedicado a todos os narnianos, meus compatriotas, em especial àqueles que conheço de fóruns, do orkut, da lista do yahoo, do Narnianos.com e principalmente ao meu marido, que entende minha mania e me incentiva sempre!

Me pediram para falar aqui no blog um pouco sobre Nárnia. O Josh achou que estava faltando falar sobre este fantástico mundo (ele também achou que eu deveria fazer um texto sobre 'Til We Have Faces, mas acho que isso é muita areia pro meu caminhãozinho, não só por ser um livro extremamente filosófico, mas também por ser simplesmente o livro favorito de Lewis).

Mas há um motivo para eu ter evitado falar sobre Nárnia: eu fiquei intimidada. Tenho medo de falar e não fazer jus à grandeza da obra, e principalmente de não conseguir exprimir exatamente o que os livros são para mim. Mas eu vou tentar.

Para começar, acho que devo falar sobre o que é ser fã de uma história rotulada como infanto-juvenil e fantasia. Já vou avisando: não é fácil. A primeira reação da maioria das pessoas quando me veem falando com entusiasmo sobre Nárnia é dar um sorriso condescendente. Nem quero imaginar o que passa pela cabeça de tais indivíduos. No mínimo pensam coisas como "Mas essa macaca velha não tá meio passadinha pra ficar lendo histórias de crianças?" Lamento muito informar, mas o símio idoso aqui não sou eu, é você, caro colega. Aqui a Nação Narniana vai se lembrar do macaco Manhoso de A Última Batalha e se divertir um pouco. Quem está sorrindo agora?

Eu acredito que o mesmo, ou algo parecido, aconteça com quem é fã da trilogia O Senhor dos Anéis e outras obras de Tolkien. Afinal, qual é o problema das pessoas com a literatura fantástica? Se dois brilhantes acadêmicos britânicos, um de Oxford e outro de Cambridge, dedicaram parte de suas vidas para criar mundos fantásticos nos quais podemos viajar e sonhar, quem somos nós para falar alguma coisa? Eu definitivamente não gosto de gente sem imaginação e que não sabe se maravilhar diante das coisas simples da vida. (Talvez o fato da Trilogia do Anel de Tolkien ter sido transportada para as telas de cinema e resultado em filmes "sérios" contribua para a diminuição do preconceito em relação a esta obra. Mas quem leu sabe que os filmes cortaram boa parte da magia e do encanto presentes nas páginas dos livros.)

Para quem está de fora e não entende muito bem esse papo de ser Narniano e acha que é bobagem, aqui vai uma breve explicação: As Crônicas de Nárnia nunca foram pensadas por Lewis para serem uma espécie de evangelização disfarçada para crianças. Não. O que aconteceu, segundo o próprio Lewis, é que o cristianismo, por estar tão presente na vida dele, acabou perpassando quase toda a sua obra de ficção (que, diga-se de passagem, floresceu após sua conversão). Não havia outro jeito, foi apenas natural que acontecesse. Mas, mesmo com isso, as Crônicas de Nárnia não são livros direcionados para o público cristão. Conheço inclusive muitos ateus e inúmeros adultos que são fãs da septologia. Acho que isso é um dos maiores atestados da qualidade da obra de Lewis, além de sua permanência como sucesso de leitura após quase 60 anos.

Então, aqueles que se denominam Narnianos têm um lema: Quero viver como um narniano, ainda que Nárnia não exista. A frase é do livro A Cadeira de Prata, a quarta crônica, e é dita por um paulama (longa explicação, é melhor você ler o livro) quando a Feiticeira Verde tenta convencer a ele e mais três humanos de que Nárnia não existe. Ela resume a filosofia de quem sonha com as terras além da SalaVazia e com o Grande Leão. Os motivos de cada um eu não sei, mas eu particularmente gosto do ar, da sensação, da presença de Nárnia, que sinto bem forte, quando leio os livros; da alegria ao ver que Aslam vai aparecer a qualquer instante; da possibilidade de enxergar Nárnia através dos olhos de Lúcia, a mais doce personagem e também a mais chegada ao Grande Leão; das semelhanças que vejo entre Aslam e seu equivalente em nosso mundo e o amor daquele pelos narnianos, tão profundo quando o de Jesus por nós; e gosto também do tipo de relacionamento indireto que tenho com Lewis.

Citando Bruce Edwards, "Lewis vive mas ao mesmo tempo já se foi; eu ouço a voz dele, sinto sua presença, ele fala comigo pelas páginas, mas ele não está ali. Este é o poder da palavra escrita."

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Meu padrasto, C.S. Lewis

Texto #5 da Semana C.S. Lewis


Meu padrasto, C.S. Lewis
por Douglas Gresham

Muitos escreveram sobre ele, mas a maioria via o autor das Crônicas de Nárnia como um intelectual isolado. Aqui, o enteado de Lewis, Douglas Gresham, recorda um herói.

4 de outubro de 2007
Jornal The Guardian
(Por ocasião da re-estréia da peça Shadowlans em Londres.)

A hoje famosa peça Terra das Sombras, que está prestes a re-estrear no West End de Londres, é uma de muitas obras sobre o meu falecido padrasto, C.S. Lewis. Foram feitos livros (muitos livros, dos quais eu escrevi dois), peças, filmes e até músicas sobre ele. Essas obras variam entre boas, ruins e horríveis, a maioria escrita por pessoas que mal o conheciam ou mesmo não o conheciam ao todo. Elas podem te dizer (com vários graus de inexatidão) o que ele era, onde ele esteve, quando e o que ele fez, mas quase nenhuma delas pode te dizer quem ele era.

Enquanto ele viveu, eu nunca conheci C.S. Lewis, o nome nas lombadas dos livros. Pois o homem de carne e osso encantadoramente falante que preencheu a minha juventude com sua presença se chamava Jack. Meu primeiro encontro com ele foi extraordinário. Eu era um estudante americano de oito anos, um imigrante recém-chegado, trazido para Oxford logo depois de chegar a essa estranha terra da Inglaterra, onde as pessoas se vestiam de modo esquisito, falavam esquisito e comiam comidas estranhas e improváveis. Eu fui levado para o homem que, até onde eu sabia, realmente conhecia o Magnífico Rei Pedro de Nárnia e o grande Leão Aslam; um homem que, até onde eu sabia, poderia ser um membro da corte do rei Artur. Eu quase esperava uma figura alta e robusta, vestindo uma armadura e carregando uma espada, mas a realidade era bem diferente. Na cozinha da sua casa, The Kilns, fomos recebidos por um homem ligeiramente encurvado, calvo e de ombros caídos, com dedos e dentes manchados de nicotina, vestindo as roupas mais surradas que eu jamais vira. Aquele não era um cavaleiro, era um acadêmico. Um acadêmico da Oxford daquela época.

Apesar do meu espanto inicial, logo Jack emergiu do meu C.S. Lewis imaginário para se tornar real. Eu perdi uma ilusão, mas ganhei no começo um amigo, e mais tarde um padrasto muito amado.

Dentro de pouco tempo, Jack, Warnie (o irmão de Jack, Major Warren H. Lewis) e eu estávamos serrando uma pilha de galhos para fazer lenha. Jack e Warnie, embora fossem acadêmicos, não se negavam a cumprir tarefas humildes. Jack me mostrou a floresta e o lago atrás de The Kilns, e me ensinou a procurar faunos e dríades entre os sicômoros brilhantes e as faias cintilantes. Com ele aprendi a respeitar as plantas, como as enormes cavalinhas do pântano acima do lago; aprendi a amar os campos, as florestas e os animais; a me deliciar com o tempo, dos ventos sibilantes ao silêncio tranqüilo, da chuva torrencial aos raios brilhantes do sol; tudo tem o seu lugar no meu coração, e isso eu aprendi com Jack.

Jack também me ensinou a ler. Não a ler como alguém aprende na escola, mas a ler pelo gosto de ler e de aprender, pois toda a sabedoria do mundo pode ser encontrada em livros. Jack me ensinou isso. A casa era cheia de livros, e nenhum era proibido para mim.

No começo, eu morava em Londres e visitava The Kilns esporadicamente, mas em pouco tempo nos mudamos para Headington, a cerca de um quilômetro e meio, e Jack deixou claro que eu era um visitante bem-vindo. Alguns dos mitos sobre Jack, e existem muitos, vieram do próprio punho dele. “Não sou bom com crianças”, ele disse, mas eu dificilmente via alguém melhor do que ele era com crianças. Acho que ele quis dizer que nunca ficava à vontade com elas, mas ninguém deve ficar totalmente à vontade com os filhos de outras pessoas. Alguns o chamaram de misógino, mas eu nunca conheci um homem tão atencioso com as mulheres, nem alguém tão encantador e divertido quando estava na companhia delas.

Acho que, no mundo triste e sombrio em que vivemos hoje, muitas pessoas terão dificuldade de acreditar no verdadeiro Jack. Ele era um homem que crescera com a mentalidade do século 19. Ele acreditava em honestidade, responsabilidade, compromisso, dever, cortesia, coragem, cavalheirismo e todas as grandes qualidades que a sociedade do século 20 abandonou, dizendo que elas estavam obsoletas, mas que agora precisam desesperadamente ser recordadas e recuperadas. Jack também entendia bastante da humanidade e da natureza das espécies. Ele conhecia o sofrimento: ele perdeu a mãe aos nove anos de idade, experimentou os horrores de uma escola que parecia saída de um conto de Charles Dickens, e outras escolas em diversos graus de valor. Jack lutou na Primeira Guerra Mundial e assistiu a segunda, perdendo amigos e colegas em ambas. Ele manteve o compromisso firmado com o soldado e colega Paddy Moore na véspera da batalha, cuidando da família daquele homem durante mais de 30 anos. Jack aprendera a amar e a perder, e sofrera as agonias de ambos. Ninguém poderia condená-lo se ele tivesse se fechado e se tornado (como muitas vezes é descrito) um acadêmico isolado. Em vez disso, livre da responsabilidade de cuidar da Sra. Moore após a morte desta, ele mergulhou mais uma vez no amor e na dor ao se casar com a minha mãe, que já estava morrendo na época. Ele encarou a dor de amar alguém que ele sabia que provavelmente não estaria com ele por muito tempo, e também tomou para si a responsabilidade dos filhos dela, meu irmão e eu. Já não é uma tarefa fácil na melhor das circunstâncias, mas, naquelas em que ele se encontrava, era a tarefa de um verdadeiro herói.

Minha mãe era americana, e encontrou a verdade de Cristo através da leitura de Cristianismo Puro e Simples e outras obras de Jack. Ela escrevera para ele sobre as dúvidas dela pois, como todas as pessoas muito inteligentes, ela tinha dúvidas. Ela ficou encantada quando ele respondeu às questões e objeções dela de forma magistral e econômica, e uma correspondência animada logo se avolumou. Minha mãe visitou a Inglaterra em 1952 e ela, Jack e Warnie logo se tornaram amigos. Minha mãe era o equivalente intelectual de Jack, a única que eu já vi, e Jack ficava encantado quando, durante as discussões entre eles, ela corrigia pequenos erros dele sobre citações e outros detalhes. Minha mãe era um pouco mais lida do que Jack, pois ela lera tudo que ele lera, mas também os escritores americanos mais modernos. Ela também viajara mais, indo aos Estados Unidos e retornando com os filhos em 1953, quando o casamento dela com o meu pai acabou. Jack e a minha mãe se casaram quando ela estava no leito de morte, mas a mão de Deus interveio e ela se recuperou, entrando numa remissão do câncer que durou vários anos, anos esses que foram os mais felizes das vidas deles. Foi nessa época que a coragem física que ambos possuíam tornou-se evidente para mim. Estávamos subindo a colina em direção às árvores, minha mãe carregando a sua pequena “arma de jardim”, que ela usava para espantar os pombos da nossa horta e os invasores das nossas terras, quando os dois, um pouco à minha frente, foram abordados por um jovem carregando um arco e uma aljava cheia de flechas. “Com licença”, disse Jack educadamente, “esta é uma propriedade privada e você não deveria estar aqui. Poderia se retirar por favor?” A resposta do rapaz foi tirar uma flecha da aljava e preparar o arco, apontando para eles. Jack ficou na frente da minha mãe para protegê-la, e ficou ali alguns segundos até que a ouviu dizer em um tom gelado: “Droga, Jack, saia da minha linha de tiro!” Em seguida, Jack deu um rápido passo para o lado, deixando o jovem rapaz frente a frente com o cano da espingarda. Ele sumiu rapidamente. Eles foram corajosos, e Jack depois disso precisou ser ainda mais, pois a minha mãe partiu antes dele, deixando-o sozinho para lidar com a ausência dela.

C.S. Lewis foi um grande sábio? Sem dúvidas. Foi um grande escritor? Nenhum estudioso hoje em dia pode duvidar disso por um momento. Agora, algumas de suas histórias estão virando filme e ele está ficando mais conhecido no mundo inteiro, acelerando grandemente uma tendência que vem acontecendo lentamente nos 40 anos desde a sua morte. C.S. Lewis foi um grande professor? Também acho que isso é inquestionável: ele deu aulas nas universidades de Oxford e Cambridge, e ainda hoje ensina através de seus livros. Ele foi um grande teólogo? Muitos dos maiores estudiosos cristãos de hoje acreditam firmemente que sim. Ele nunca reivindicaria nenhum desses títulos, ou mesmo os aceitaria de outros; entretanto ele era todas essas coisas e muito, muito mais.

Terra das Sombras é uma recriação fictícia de uma pequena parte da história de Jack. Na peça, você verá um homem na sua provação mais difícil, suportando o mais pesado dos fardos. Você poderá ter um vislumbre do que acontece com os grandes homens. Não é totalmente fiel à história real, talvez, e não se pretende que seja, mas é uma ótima peça, que fala profundamente aos corações dos homens.

Sabe, enquanto C.S. Lewis era um grande sábio, um grande escritor (de muitos gêneros), um grande professor e uma grande teólogo, Jack era um grande homem.

*****

Acompanhe a Semana C.S. Lewis também através do site da Sociedade Brasileira C.S. Lewis.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Um menino em uma poltrona

Post #3 da Semana C.S. Lewis

O texto de hoje não é meu. Ele foi escrito pela Natalia Guerra, uma narniana de 17 anos com uma imaginação privilegiada. Ela mantém um blog muito legal junto com seu amigo Luiz, e foi lá que este texto foi publicado originalmente. Divirtam-se!


Um menino em uma poltrona

Era uma vez um pequeno menino chamado Clive. Certa vez, quando parou de brincar, foi se sentar na poltrona do pai. Uma poltrona alta e macia. Macia até demais, pois, quando ele se sentou, começou a afundar e afundar até que... PUF! caiu. "Aqui no fundo da poltrona é muito grande!", pensou. Logo seus olhos se acostumaram com a forte luz que surgira e ele percebeu que estava em um bosque.

- Que lugar é esse?! - Sem esperar resposta, foi se levantando para conhecer as redondezas.

- Eu chamo de Nárnia - Foi o que uma voz grave e poderosa respondeu.

O susto, e talvez o atordoamento da viagem, fizeram Clive cair instantaneamente. Virou-se em direção à voz e se deparou com um leão imenso. Aliás, não era um simples leão, era um glorioso e louvável leão. O menino percebeu claramente que o animal era dono de tudo aquilo e que deveria lhe obedecer. O Leão voltou a falar:

- Por aqui, gostam de me chamar de Aslam. Eu o conheço, Clive. E permiti que viesse para cá porque, mesmo que ainda nem saiba ler, sei que escreverá muito bem. E precisava conhecer um mundo novo, para poder escrever. Nárnia é meu mundo mais recente. Há poucas horas, as primeiras crianças, Digory e Polly, foram embora. Eu o escolhi para ser a criança que mais tempo passará em Nárnia.

E o tempo em Nárnia passou. Clive crescia e conhecia todos os moradores, como também todos os domínios narnianos. Então Aslam veio lhe visitar novamente.

- Meu filho Clive, você ainda não está pronto para voltar para casa. Precisa conhecer os sentimentos sublimes, como o amor e a paz. Por isso, a partir de agora, a cada ano você irá presentear os animais e as crianças de Nárnia. Em um só dia, distribuirá presentes para todos. Não se preocupe, pedi a algumas renas que lhe ajudassem.

Ele fez o que Aslam ordenou, por séculos. Ainda nas primeiras décadas, como era visível que envelhecia, passou a ser carinhosamente conhecido como "Papai Natal", ou simplesmente Noel.
Entre uma entrega e outra, Clive conheceu crianças vindas de seu mundo. Para algumas, deu armas ou poções, pois sabia que deveria prepará-las para as lutas. E as viu se tornarem incríveis reis e rainhas.

Clive viveu em Nárnia até o reinado de Tirian, o último monarca. Foi quando Aslam lhe foi buscar. Conversaram por longas horas e o Leão lhe contou que o fim de Nárnia estava próximo, lhe revelando como tudo aconteceria.

Agora Clive estava sentado de volta na macia poltrona de seu pai. Ainda estava atordoado. "Como Nárnia pode acabar?". Ele ainda não sabia nem ao menos ler ou escrever, mas sabia que haveria uma Nárnia ainda melhor, e eterna.

O menino cresceu, mas nunca se esqueceu de Aslam. E resolveu continuar sua missão. Agora não contava com a ajuda das renas, mas sabia exatamente como presentear as crianças. Começou a escrever.


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Agradeço à Natalia por ter permitido a postagem deste texto aqui.

O site da Sociedade Brasileira C.S. Lewis também está celebrando a Semana C.S. Lewis. Acompanhem clicando aqui.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Volta às aulas

Nada como um caderno de Nárnia para alegrar as aulas!

Tirei a poeira do dicionário, busquei livros em armários e empunhei caderno novo: voltei para a escola.

Eu sempre gostei do início do ano escolar. Era muito gostoso ter cadernos e livros novos, e se possível também mochila, estojo, lapiseira, borracha e caneta. O cheirinho das páginas recém-saídas das gráficas, do material novinho, do plástico que cobria as capas de cadernos e livros. Ah, como era gostoso! (Isso perdeu um pouco da graça na universidade, quando os professores não pediam livros, e sim textos da xerox - e todo universitário sabe que xerox é enjoada, lotada, cansativa e não tem cheirinho bom coisa nenhuma!)

Bem, semana passada começou o meu curso de alemão. Em janeiro de 2008, eu já havia feito o Módulo 1, apenas o comecinho desse mesmo curso. Agora vou fazer os seis módulos básicos, inclusive repetindo o primeiro. Não quis cair de pára-quedas no Módulo 2, preferi relembrar a matéria do começo e ter a gostosa sensação de entender tudo o que a professora fala. O curso é intensivo, e está previsto para terminar em abril do ano que vem.

A minha turminha é muito legal. Tenho dez amiguinhos, cada um de um país diferente, com exceção de duas russas que dividem a nacionalidade. Os outros países são Vietnã, Turquia, Romênia, Tailândia, Egito, Moldávia, Ucrânia e Espanha. O pessoal é simpático e mostrou entrosamento logo no primeiro dia, apesar de quase ninguém ter bagagem de alemão suficiente para realmente conversar. Nossa simpatia é transmitida uns aos outros através de sorrisos de encorajamento em sala de aula.

É muito interessante poder conhecer pessoas de outros países e culturas. Apesar de às vezes me acostumar com o fato de estar na Europa e cercada de gente de tudo que é canto do mundo, de vez em quando eu me forço a lembrar que essa é uma situação que eu tenho que aprender a valorizar. Uma das coisas que gosto de fazer é observar as personalidades de cada um e tentar isolá-las das idéias pré-concebidas que se tem em relação à nacionalidade dessa pessoa, porque todo mundo (e eu me incluo nessa) tem mania de colocar rótulos, e isso não é bom. Por exemplo, o pensamento geral aqui é de que os russos, que aqui tem aos montes, vêm para cá para "mamar nas tetas do Governo" e sempre tentam conseguir algo em proveito próprio. Porém uma das russas da minha turma não tem nada a ver com isso, é simpática e esforçada, e não parece ser do tipo que sempre gosta de ter vantagem em tudo. A romena é super agradável e gentil, o que vai contra o pensamento que temos de que todo europeu - ainda mais do Leste - é arredio. O turco é risonho, diferente da idéia que eu tinha de que eles sempre são sisudos e fechadões. O espanhol é engraçado e bastante disposto a entender o meu português, o que joga contra a antipatia que podemos sentir em relação aos agentes alfandegários que trabalham nos aeroportos da Espanha, não é mesmo?

E hoje, voltando para casa, eu vim ouvindo uma música que criou um momento digno de trilha sonora da minha vida: "O Caderno", do Toquinho. A música é muito fofa, e a parte da letra que eu mais gosto é aquela que diz assim: A vida se abrirá num feroz carrossel. Alguém pode dizer que não foi isso mesmo que aconteceu?